Friday, April 02, 2010

Abaixando o volume

Hoje, eu estava escutando rádio
em volume alto,
e, nessas condições,
para passar bem o tempo
ative-me à análise;
primeiro do discurso
do locutor da FM,
a repetir inveteradamente as mesmas coisas:
as mesmas informações,
as mesmas promoções,
os mesmos elogios
para músicas diferentes,
do Parangolé com seu Rebolation
aos Dois Rios do Skank.
A única coisa que mudou
nos 40 minutos em que ouvi a tal rádio
foi a hora,
nada mais.

Minha segunda análise
foi à própria natureza do trabalho
daqueles - pobres - locutores
fechados em recintos assépticos,
estúdios maçantes, sem-graça,
e no entanto sendo obrigados a se manifestarem
como se estivessem numa autêntica
balada,
talvez numa praia,
enfim, qualquer lugar
cheio de pessoas bonitas
e de música percussiva,
e de sol e de alegria
ao redor.

Isso me fez mal.
Não gosto de FM. Porém,
escutava muito no passado.

Lembro-me
daquele programa
que trazia momentos de reflexão
acompanhados de traduções
de músicas escritas em inglês.
As letras diziam o mesmo
que as das canções brasileiras
(às vezes eram bem incoerentes),
mas nós sempre achávamos aquilo
o suprassumo
da composição.

Recordo-me de outro programa,
em que o radialista
narrava
histórias de desgraças humanas
escritas por ouvintes fracassados
para outros ouvintes fracassados,
ao som de um triste dedilhado.
Nunca me senti tão completo
enquanto ouvia rádio
como nessas
horas.

E, para finalizar,
rememoro também um outro programa
que passava nas madrugadas
e eu escutava diariamente,
sentado na poltrona da sala,
desta vez com o volume
bem baixo.
Eram madrugadas
em que eu - adolescente de autoestima
destroçada por esses bobos tropeços amorosos,
cuja amplitude nossa mente imatura
não consegue medir - me deleitava,
aos sons melancólicos.
Às vezes (muitas vezes),
eu ligava e pedia uma canção sem-graça
e na hora em que o apresentador
de voz grave e garbosa
perguntava-me para quem eu oferecia,
eu dizia, sem titubear:
para Kelly, no bairro de Capim Macio,
ou poderia dizer
para Cristina, no bairro de Lagoa Nova,
ou talvez
Para Alice, Sabrina, Camila,
"com muito amor",
todas em lugares dispersos pela cidade.
O locutor apenas não sabia
- ou talvez soubesse pela experiência -
que nenhuma dessas garotas existia,
senão na minha cabeça.
Elas, em suas existências
presas à minha imaginação,
eram como o próprio programa que eu ouvia:
apenas o escape
para um adolescente meio reservado
e com algumas tolas ilusões amorosas.
Tão desesperançoso era
esse adolescente, no entanto,
que todas as vezes em que ligava
em todos os dias
era sempre
para pedir a mesma música ruim
que se chamava:
A Vida Não Presta.